sábado, 23 de maio de 2009

diário de romeu

romeu está morto em cena. o ator, não. quem está estirado no piso e não se chama romeu, faz o papel do cego. de olhos fechados, só percebe os movimentos da atriz como sombra. não vê nada, cala, engole, roça no papel do morto. cego que é, inventa no fundo do olho as sobras da visão que não tem. naquela hora. enquanto julieta - que fora de cena também não atende por esse nome - grita & chora & enlouquece, romeu só pensa no cego mascando cliches no escuro. provoca confusão ser morto e cego ao mesmo tempo, mas é. na intimidade mais atenta, surgem imagens de uma julieta falando com um cego que não se move porque foi pro escuro no mesmo instante da vida. sem ter para onde ir, sem ler no dedo o braile, só sabe o que acontece de acompanhamento vocal do diretor. decepção atrás de outra: julieta, de joelhos, arranca o anel do amado. a imagem inventada pelo cego era tão mais linda, de uma mulher sofrida escavando a terra com o calcanhar para arrancar deus da mão do morto. às vezes o cego é mais poeta. e mais perigoso no escuro. por isso se cala e não diz mais nada. ouve. ouve. o mascar de um cliches.

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