[liberdades criativas do processo teatral ou o eu-personagem-em-voz]
julieta, já não suporto mais você dizer 'eu te odeio'. acaso saberia eu que acordaria ainda? e acordada poderia dar vazão ao que mais queríamos - viver juntos e felizes? ah, meu amor, quando eu te encontrei neste túmulo - que eu não suspeitava nunca ser apenas um engodo - a única coisa que consegui gritar foi 'eu te amo'. e de joelhos, chorando tua morte insensata, sem ter mais para onde ir, escolhi uma forma igualmente insensata de ultrapassar o sofrimento. [paz não deve existir aos que se matam. paz não deve existir a nós]. acaso não foi o destino que urdiu com fios de ouro mais uma tragédia viva? há aqueles que começam a viver, julieta, apenas quando morrem. começamos a viver agora? o futuro talvez inscreva nossos corpos nos corações de outros jovens apaixonados. mas será verdade que permaneceríamos como referência brutal àqueles que se precisam e não podem? concordo: talvez nem mesmo como estátuas permanecerão nossos rostos. nem como pedra, nem como pó, nem como nada. mas, quem sabe, sejamos nomes mais lembrados do que aqueles outros - píramo e tisbe - vítimas de igual desencontro. entretanto, o leão que a devorou, julieta, foi essa sua armadilha que inventou para enganar verona. e sou eu que faço do meu punhal a última sentença. ah, eu te amo, eu te amo, eu te amo tanto: seria isso que eu repeteria um sem número de vezes se estivesse vivo ainda. enquanto não partir para este lado de cá, tu, julieta, é a mais egoísta da mulheres, reivindicando para si todo o sofrimento de existir sem mim. espero tranquilo aqui no chão o teu furor passar, para depois nos encontramos no absoluto, na calmaria de carícias e canções. [se paz houver para os que se matam por amor]
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